NÃO É FÁCIL DEIXAR DE
LER
(*) Mhario Lincoln
"Agora feche a
porta/ e descanse ao som do teu ego..."
Claro que foi um
encontro fortuito. Um belo encontro fortuito na Feira do Poeta, coordenada por
Geraldo Magela, num domingo desses friorentos. Meus olhos percorrem a sala onde
estão dezenas de poetas. De repente se fixam em uma pessoa bonita, alta e com ares
sensíveis.Apresento-me e descubro uma joia rara: Joema Carvalho, autora de
"Luas & Hormônios", primeiro livro de poemas construídos entre
1981 e 2007.
Ao lê-la (retroagindo
a esse período inteiro), dedilhei cada verso como se fossem passarinhos livres,
soltos, vibrando as asas, num febril jogo de beija-flores apaixonados, expondo
amores, pensamentos e momentos, num viés de coragem ímpar:
"Agora feche a
porta/ e descanse ao som do teu ego..."
O livro, na verdade,
foi realizado dentro de algumas normas e técnicas, dividido em capítulos,
verbetes, dando-lhes títulos, nomes e vezes. Tudo bem! Mas meu foco ao ler,
fincou-se no dedilhar da construção sinfônica do verso.
Fincou-se na
característica solta e fluente de como Joema Carvalho expôs o útero lírico, versando
sobre o que sentiu:
"A gente fala com
a boca dos olhos".
Olha só que simbolismo
incrível, de repente, assim, no meio de um poema cheio de liberdade métrica.
Aliás, ela é inominável. Ela escreve com a certeza de que o leitor, uma hora ou
outra, vai ser impactado.
Você está aqui,
comportadamente, lendo um poema, como, por exemplo - A Avalista Louca - e, do
nada, por exemplo, aparece um verso assim:
"Como fosse /seu
abraço /uma prisão...".
Veja que legal. Parece
um roteiro de cinema onde você (ao escrevê-lo, sob qualquer tema), pode atenuar
até a 50º linha. Aí, tem obrigatoriamente que haver um pré-clímax incomum, para
celebrar a fisgada de quem assiste a obra. Isso leva o a plateia seguir até o
fim...
Aliás, ao falar em
roteiro, um dos melhores do gênero, Syd Field, diz que "...a situação de
conflito no I ATO, deve se interpor quando o roteiro completa 30% de construído
(...)."
Essa é a fórmula
(‘Mutatis Mutandi’) que Joema Carvalho usa em seus versos. Há aquela construção
clássica da primeira estrofe, da segunda e - assim do nada - ela acaba
impactando com versos, atômicos:
"... com tudo na
cabeça; só sorria/ zombando de um delicado zangão/ que corria atrás de uma
ingrata...".
Sensacional o jogo de
palavras e a maneira ímpar como ela dá à palavras comuns, uma segunda suposta
qualidade intrínseca de definição. Outro exemplo de coisa de roteiro, mesmo:
"... voe e voe e
voe, na dúvida respire (...)".
E ela caçoando da
tradicional ligação de palavra dentro de um contexto clássico (que ela
desestabiliza brilhantemente), complementa o verso anterior da seguinte forma:
"No fim da tarde,
tudo se confunde/ à noite pode ser um arco-íris inteiro de transformação
(...)".
Incrível essa
simbologia, além de insiths de Cruz e Souza, Alberto Guerra Vidal, Alceu de
Freitas Wamosy, Alphonsus de Guimaraens ou Augusto dos Anjos. Não é que Joema
Carvalho seja melhor do que esses clássicos poetas brasileiros. Não! Mas ela
consegue surfar - fora dos clássicos citados - e trazer para o simbolismo, algo
tão contundente, que a coloca no contexto desses caras citados.
Presta atenção como
ela constrói em - La Fontaine à Doré -a historinha do Logo, da Chapeuzinho e da
vovozinha. Nada de personagem chato usando capuz vermelho. Mas a essência da
fábula de La Fontaine:
"Olhar de lobo/
Propaga a cena/ gerada na curva/ Redemoinho (...) Madeira de Lei/ que serve de
berço/ Lobo rei."
Perfeito. Eis o olhar
da poetisa sobrevoando a essência, fora do roteiro, fora das cores e das
ilusões de ótima que só a vovozinha desconhece:
"Que incita a
leveza/ Clarão do momento/ Apagado pelo descontentamento/ Fala tardia
(...)".
Bummmm! Eis a pólvora
e a roda reinventada.
Dez, Joema Carvalho.
Interessante o livro.
Interessante o senso.
Interessante o olhar
façanhoso sobre a realidade. Como Dali e os relógios que derretem....
Mhario Lincoln
Presidente da Academia
Poética Brasileira.
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23/12/2018